sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Pequena história de um relógio de areia

Era naquele quarto, com as janelas fechadas, enoitecido pela cortina grossa e pesada. Tinha um clima abafado naquele cenário. Era pesado, palpável e se você se concentrasse bem, poderia ver um véu invisível que cobria cada centímetro do quarto. E tinha também uma cama.
Jazia sobre a cama um moribundo. Ah, um jovem moribundo, agonizando com o aproximar do fim. Ao lado dele, uma ampulheta. Nela, os grânulos de areia coloridas iam se derramando. Paulatinamente. Gradativamente. Assustadoramente.
Sua areia caia constantemente, mas de forma calma, sem pressa. O fim era inevitável, mas inevitável não quer dizer rápido. Era preciso viver o momento. Viver aquilo que o corroia e aniquilava cada célula do seu corpo, mas era preciso.
Um grão.
Uma respiração.
Um grão.
Uma respiração.
E passava o tempo, e passava o jovem também. Era necessário que ele passasse e deixasse o tempo passar. A agonia já havia tomado presença, mas não era mais o que lhe incomodava. Já nem a sentia. Ele era ausência pura. Seu coração era indiferença. Essa era a pior morte que poderia ter: a carestia de emoção.
E era hora. E a hora finda. Um ultimo minuto, um ultimo grão. Aguentava porque logo ia passar. Uma ultima respiração e o ultimo suspiro, uma ultima lembrança e adeus. O vento sussurrava à distância ”Eu te amo, eu te amo, não vá” e era tarde demais.

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